Eu sou Malala

Leitura obrigatória. Não poderia começar esse post sem uma recomendação, ou melhor, um convite à leitura de Eu sou Malala, de Malala Yousafzai (Nobel da Paz, 2014) com a jornalista Christina Lamb. Encerrada minha última leitura, decidi que queria ler algo mais pesado, que me desse uma sacudida, um verdadeiro choque de realidade. Imaginei que a história de Malala seria ideal para que eu fosse mais grata a tudo o que tenho e que ainda está ao meu alcance. Mas o livro vai bem mais longe e conduz o leitor por temáticas importantíssimas e por um universo tão próximo e, ao mesmo tempo, muito distante do nosso conhecido e confortável ocidente.

"A história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo talibã". Essa simples frase já é suficiente para nos fazer refletir. Afinal, por que uma criança seria alvo de um grupo extremista por defender um direito aparentemente tão fundamental? O livro traz sua história em ordem cronológica, passando pela infância de Malala, sua formação educacional e familiar, fatos históricos do país e da conjuntura internacional de cada momento até o dia em que sofreu o atentado, o período de tratamento e sua nova vida no Reino Unido.

A linguagem é bastante acessível. Alguns trechos são mais densos com vários termos árabes, em sua maioria descritos no decorrer da história (há um pequeno glossário no final do livro), e a descrição de eventos históricos emblemáticos para a região. Esses detalhes, no entanto, não prejudicam a leitura.

Fiz inúmeras marcações! A cada linha queria marcar algo importante, tudo parecia tão fundamental, tão importante para se pensar, refletir, debater... Anotei alguns tópicos que chamaram minha atenção na vida da Malala para citar por aqui.

Feminismo
Malala expressa em diversos trechos seu inconformismo diante das diferenças de tratamento, condições e direitos entre homens e mulheres. Se no ocidente ainda nos sentimos injustiçadas, do lado de lá as diferenças gritam e saltam aos olhos, a começar pelo nascimento de uma filha, mulher.

"No dia em que nasci, as pessoas da nossa aldeia tiveram pena de minha mãe, e ninguém deu os parabéns a meu pai. (...) Nasci menina num lugar onde rifles são disparados em comemoração a um filho, ao passo que as filhas são escondidas atrás das cortinas, sendo seu papel na vida apenas fazer comida e procriar".

"É difícil para as meninas de nossa sociedade, ser qualquer coisa que não professora ou médica _isso, se quiserem trabalhar. Eu era diferente. Nunca escondi minha vontade, quando deixei de querer ser médica para ser inventora ou política".

Educação
Seu amor pelos estudos e a luta pela educação e direitos de seu povo são frutos da influência direta de seu pai. Dedicado e inconformado, Ziauddin acolheu sua filha sem qualquer distinção de gênero e perseguiu seu sonho de ter a própria escola. Malala acompanhava o pai em seus debates no terraço de casa e depois chegou a discursar em defesa da educação de meninos e meninas. Era ele quem a encorajava com otimismo e esperança de dias melhores, um verdadeiro entusiasta da educação.

"Minhas amigas e eu não conseguíamos entender o que havia de tão errado. 'Por que eles não querem que as meninas estudem?', perguntei a meu pai.
'Eles têm medo da instrução', foi a resposta."

"'Você está com medo agora?', perguntei a meu pai.
'À noite nosso medo é grande, Jani', ele respondeu. 'Mas de manhã, à luz do dia, sentimos a coragem voltar.' E isso era verdade no caso de minha família. Tínhamos medo, mas ele não era tão forte quanto nossa coragem. 'Devemos livrar o vale do Talibã, e aí ninguém terá de sentir medo'."

Criação x Cultura
Uma das coisas mais louváveis na vida de Malala é como ela preserva sua cultura e tem amor às tradições e costumes de seu país. Ao mesmo tempo, sua criação não convencional, considerando os moldes da região, permite que sua visão se amplie e ela consiga separar o que é tradicional e merece respeito daquilo que inferioriza e é só desamor. Mais um vez, nesse ponto, Ziauddin é uma referência. Malala ressalta a importância que o pai dá à esposa ao pedir sua opinião e contar a ela tudo o que se passa, comportamento diferente da maioria dos maridos. Além disso, demonstra percepção apurada quanto às interpretações deturpadas do Corão e orienta Malala para a livre interpretação.

"'Dependemos desses mulás para aprender o Corão, mas devemos aproveitar apenas o sentido literal das palavras, sem seguir a explicação e a interpretação deles. Aprenda apenas o que Deus diz. As palavras Dele são mensagens divinas que você tem toda liberdade e independência para interpretar'."

Cultura autodestrutiva
Num determinado ponto da história, Malala conta que algumas categorias da sociedade, como artesãos e bailarinas, marginalizados e desvalorizados, juntaram-se ao talibã em busca de poder e status. Isso me pareceu muito próximo e similar ao que vemos nos casos de corrupção que povoam nossos noticiários e no extremismo religioso. A cultura tem um poder incrível de destruir a própria sociedade na qual se estabeleceu. Como frear esse tipo de movimento?

E outros infinitos itens para reflexão poderiam seguir os anteriores. Eu sou Malala é um livro riquíssimo em história pessoal, verdadeiramente inspirador. Ele me fez ver que o oriente é um universo gigantesco que mora tão perto, mas que nos é distanciado pela mídia e por uma ocidentalização que dificulta nossa compreensão e afasta nossos "mundos". Ao mesmo tempo, uma pessoa como a Malala renova nossas esperanças em um mundo único e mais humano. Sua ideias extrapolam fronteiras culturais, históricas, de gêneros e idade. Uma pessoa admirável.

"Educação não é oriental nem ocidental, é humana".

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